quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ecoa pelos ouvidos do povo

Bom, em primeiro lugar gostaria de agradecer por você estar lendo este texto. Considero-o um desabafo, uma carta escrita num exílio maior e mais devastador do que aqueles contados e descritos nas Histórias de nossas escolas sem paredes. Estou preso eternamente dentro de mim. Aprisionado dentro de uma crônica que, o que tiver de realidade, é mera constatação.
O povo anda pelas ruas de seu país cabisbaixo, semblante cansado, olheiras a emoldurarem seus olhos de  semi-sonhadores. Sofredor por natureza, o único assunto que lhe interessa é… futebol! Crise política? Que nada, nós nem votamos nele! O importante é que estamos (e agora a temos!) na Copa!
            Nós quem?!
Dentro de ônibus lotados, cada cidadão elege o seu gol mais bonito. Discussões acaloradas fazem com que o já mal-arejado veículo se torne de vez uma sauna. Os gols ainda estão vivos nos olhos, na memória desse povo. E quem não pensa em futebol, pensa em carnaval e novela! Com revistas de fofocas nas mãos, descobrem quais serão as novas rainhas-de-bateria nas apoteóticas noites de vazio e banalização do corpo desse povo. Festa pagã para um povo que se diz religioso. Festa mesmo será no ano da Copa do Mundo! Mundo arruinado por guerras, preconceitos, ditaduras veladas e aclamadas, eleitas por outros povos, ditos livres, superiores. Bom, eles não gostam tanto de futebol mesmo!
Escravo de salários de fome, o meu povo luta dia após dia por mais respeito e dignidade. Pena mesmo é ficar absorto nas chuteiras coloridas em campos globais. Pena assumir-se cidadão por apenas um mês – entre nove de junho e nove de julho –, encontrar-se zeloso somente de quatro em quatro anos. Durante esse mês de festas e ruas pintadas, paradas, expedientes encerrados antes de começarem, aulas suspensas, tensões, devaneios, hipocrisias & afins; durante esse período, o povo é feliz. Não há guerra ou ataque terrorista que o retire da frente da televisão. Não há juros ou propinas que o demova da ideia de comemorar mais um gol salvador, libertador, capaz de amainar, cicatrizar todas as feridas abertas ao longo de ininterruptos séculos de devastações e segregações.
            Finda o jogo. Se ganham, não é mais do que a obrigação, pois, na verdade somos os melhores, prepotentemente somos os maiores. Temos o rei, apesar de sermos plebeus, terceiromundistas, vassalos, canibais comendo os restos mortais da moral e da ética. Somos campeões do Mundo! Temos bananas, futebol e mulatas! Não importa se somos humilhados, pisoteados pelas botas de uma ditadura invisível; retirados de suas solas feito chicletes malmascados. Somos campeões da Copa! Rolamos em rampas de promessas não cumpridas, sorrimos aos heróis, estendemos as mãos, não apenas para cumprimentá-los, mas também para pedir um pedaço de pão, pois nossa barriga insiste em nos lembrar que temos fome e que gols não enchem o bucho do povo.
Gols esses que continuam ecoando pelos ouvidos do povo. Ecoam feito as botinas de soldados marchando por sobre seus próprios túmulos. Ecoam feito o mais corrompido dos gritos desse povo:                                                                               o povo
traído
jamais será
erguido.
Sou apenas um personagem de ficção e, vagando por uma cônica analfabeta, vejo que sou forte e que não desistirei nunca. Serei livre num sonho distante, qualquer.

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